terça-feira, 11 de março de 2014

O que um bom projeto para Educação Infantil precisa ter?
Ao escolher trabalhar com projetos, o professor de Educação Infantil precisa ter foco e clareza de seus objetivos. Um bom planejamento o ajudará a avaliar de forma permanente o projeto e a escolher intervenções adequadas para responder às demandas das crianças durante o percurso
Clélia Cortez - Revista Nova Escola ( www.novaescola.org.br)
1. Por que trabalhar com projetos na Educação Infantil?
Proponho uma reflexão sobre os sentidos da realização de projetos na Educação Infantil e os desdobramentos dessa escolha metodológica na ação educativa.
São vários os aspectos que devem ser considerados quando o professor escolhe esta modalidade organizativa para desenvolver sua ação com as crianças. O primeiro e, sem dúvida, o mais importante é o sentido que pode ser atribuído às aprendizagens. Muitas vezes ouvimos os profissionais envolvidos no trabalho com crianças pequenas contarem que desenvolvem projetos para trabalhar diversos temas visando alcançar diferentes objetivos.
Há projetos que têm como foco o desenvolvimento de comportamentos leitores ou visam à aproximação com determinados conceitos científicos ou fatos históricos, enquanto outros são voltados para os conhecimentos em arte. Enfim, são inúmeras as possibilidades de pesquisas feitas com as crianças que podem ser organizadas por meio desta forma de trabalho.
Os projetos podem reunir uma série de condições favoráveis para que a escola assuma sua maior responsabilidade: promover a construção de novos conhecimentos com sentido e profundidade. Mas, para que isso ocorra, quais são os pontos a que o professor deve prestar atenção?
Um aspecto muito importante é a escolha do tema. A quem cabe essa decisão: ao professor ou à criança? Reflexões feitas por professores em encontros de formação têm nos mostrado que a ideia de que um projeto só é significativo quando surge com base no que as crianças propõem é inconsistente. Algumas vezes, inclusive, sem que tenha consciência disso, o professor afirma que baseia a sua prática em uma abordagem democrática, mas, ao analisarmos com cuidado o planejamento e suas escolhas, vemos que as decisões consideraram mais o ponto de vista do adulto do que o da criança.

2. Foco do professor deve ser a ampliação dos saberes
As crianças são ávidas por conhecimento e o adulto pode potencializar esse interesse por tantos assuntos oferecendo boas perguntas e bons cenários de pesquisa. Isso não significa que o professor deve conduzir as ações considerando exclusivamente seu ponto de vista. Ao contrário, um projeto visa dar sentido às aprendizagens e isso ocorre desde o início, com a escuta do que pensam e narram as crianças e a relação que ele estabelece entre essa escuta e os propósitos de aprendizagens escolhidos para a atividade.
O papel do professor na condução de um projeto é de mediador, um provocador de novos sentidos e curiosidades. A intervenção acontece quando as crianças pedem e também quando ele mesmo vê essa necessidade e considera que há tempo adequado para acrescentar novas perguntas ou informações.
A atuação do professor, embora não tenha caráter direcionador, em nenhum momento deve ser de abandono. É preciso oferecer apoio constante para ampliar os saberes que circulam no grupo. A cada momento, o professor toma uma atitude que considera a curiosidade das crianças, as intenções da pesquisa, a possibilidade de intercâmbio de opiniões, a negociação conjunta durante os momentos de socialização (que, aliás, é uma intervenção permanente no projeto) e a oportunidade de sistematizar os conhecimentos construídos pelo grupo para serem retomados e discutidos ao longo do processo.
Outro aspecto que merece atenção é o desenvolvimento do percurso de trabalho. Quando o professor decide envolver um grande número de áreas em um mesmo projeto, não há dúvida de que ele possui a boa intenção de ampliar os conhecimentos das crianças. Contudo, é importante considerar que o excesso de conteúdos pode comprometer o aproveitamento de todo o potencial de conexões entre os assuntos e a construção de alguns conceitos. Para que a aprendizagem ocorra, é preciso envolver as crianças com regularidade em contextos de pesquisa em torno de um mesmo assunto e permitir que haja possibilidade de errar, socializar pensamentos, perguntar e estabelecer relações entre um conhecimento e outro.
Quando o planejamento e o desenvolvimento de um projeto transitam por muitos temas, as crianças podem não aprofundar seu conhecimento. E o conteúdo que, inicialmente, deveria estar no foco da intenção educativa termina por ser abordado somente de maneira superficial.

3. Projeto bem planejado é o que dá mais oportunidade de aprender
Estabelecer um foco durante o planejamento do projeto é essencial para que as crianças possam experimentar de fato o papel de pesquisadoras e serem protagonistas de sua aprendizagem. Quando são fornecidos tempo e condições para a continuidade do pensamento em torno de um assunto, as crianças têm mais oportunidades de elaborar novas conexões e isso, com certeza, pode envolver outras áreas do conhecimento. Mas é importante não perder a dimensão das expectativas de aprendizagens e pensar em intervenções que possam tanto relacionar como aprofundar os conceitos das diferentes áreas que serão trabalhadas.
Por exemplo, se o professor tem intenção de trabalhar as características dos animais marinhos em Ciências, é interessante que selecione boas referências de textos informativos para apresentar às crianças. Mas isso não é suficiente para afirmar que está tratando de procedimentos característicos das Ciências.
Muitas vezes, o trabalho fica mais voltado para a leitura do que para a investigação científica propriamente dita. Claro que isso não é um problema, se a escolha do projeto for apenas trabalhar com textos de caráter informativo e muitas produções interessantes podem surgir disso.
Porém, se o professor deseja trabalhar tanto com leitura e escrita como com os conteúdos de Ciências, é preciso estar atento a algumas questões. Nesse caso, o projeto deve desenvolver atividades relacionadas à leitura e à escrita como: leitura feita pelo professor, procedimentos para o estudo de um texto, seleção de elementos que dialogam com a curiosidade das crianças, registro pelo professor de textos orais elaborados pelo grupo etc.
E, para abordar os conteúdos de Ciências, esse mesmo projeto deve incluir observação de fatos e fenômenos, formulação de hipóteses, demonstrações e experimentos, reflexão sobre as leituras em diferentes fontes, registros, além das discussões e conclusões feitas de forma coletiva e individuais. Ou seja, também devem estar presentes atividades que fomentem a curiosidade e a construção de novos questionamentos relacionados às Ciências.

4. Curiosidade orienta o desenvolvimento do projeto e a ação do professor
Outro ponto a ser discutido é o tratamento destinado à curiosidade das crianças. Segundo o dicionário Houaiss, a palavra curiosidade está relacionada com o "desejo intenso de ver, conhecer, experimentar alguma coisa nova, original, pouco conhecida ou da qual nada se conhece"; "vontade de aprender, saber, pesquisar", ou ainda, "desejo irrequieto".
É inegável que as crianças possuem desejo constante de novos conhecimentos e isso pode ser explorado cuidadosamente em um projeto. Cabe ao professor selecionar o que é essencial para determinado processo de pesquisa e cuidar para que as perguntas elaboradas sejam de fato ferramentas para a reflexão.
Trabalhar a curiosidade significa promover a interação da criança com ambientes desafiadores que guiem seu pensamento para o que está em foco na investigação. É preciso ter em mente que os contextos planejados podem tanto alargar as experiências como restringi-las. Por isso, colocar as crianças como protagonistas de suas aprendizagens significa interagir com as suas narrativas e expressões, interpretá-las e sempre relacioná-las com a intencionalidade do projeto.
Essa não é uma tarefa simples. Exige reflexões constantes por parte do professor durante o planejamento e a ação. Por exemplo, se a intenção é gerar contextos significativos de leitura que favoreçam a imersão das crianças nas narrativas de qualidade, o professor pode planejar seu projeto levando em consideração a seguinte questão: o ambiente criado para a leitura (o acervo, o acesso aos livros na biblioteca, a organização do espaço da sala etc.) é convidativo?
Outras perguntas podem ser feitas: ao realizar a leitura do livro Chapeuzinho Vermelho em voz alta, por exemplo, o que as crianças poderão aprender com essa situação? Que intervenções podem ser antecipadas com base nas intenções de aprendizagem do projeto? A sequência de planejamento do projeto garante espaços para que as crianças recuperem e compartilhem suas observações sobre os textos apreciados? Com base nos conhecimentos que apresentam e, de acordo com o que foi colocado como intenção de aprendizagem, o que é preciso contemplar nos próximos planejamentos? Como esse projeto pode contribuir para que a leitura seja uma ação permanente na rotina do grupo?
Perguntas como essas podem ajudar o professor a conhecer mais as crianças com as quais trabalha e também a refletir sobre os objetivos e encaminhamentos pensados para o projeto.

5. Planejar sem abrir mão da flexibilidade

Outros aspectos que merecem destaque estão relacionados ao planejamento das etapas do projeto didático e a socialização de seus propósitos com o grupo. Cada situação planejada precisa apresentar bons problemas e relacionar os conhecimentos prévios das crianças com os novos, segundo o que o professor considera pertinente.
Há uma relação estreita entre o conjunto de intenções levantadas pelo professor e que foi compartilhado com as crianças como sendo as metas do projeto. Se o professor tem como objetivo principal ampliar o conhecimento sobre contos de fadas e combinou com elas a escolha dos textos para leitura e apresentação à comunidade escolar, é importante planejar situações que garantam a apropriação de determinadas noções antes de chegar a esse propósito final.
Portanto, o professor deve garantir a continuidade e diversidade de leitura dos contos, selecionar com as crianças os preferidos, ler daqueles que serão recontados, registrar e revisar os textos ditados, enfim, envolver as crianças de fato na resolução do problema que foi compartilhado durante o projeto.
O desafio (que, sem dúvida, requer empenho) é criar condições para que expandam as suas experiências e não para que fiquem dando voltas em torno do que já sabem.
Vale salientar que o planejamento, além de dialogar o tempo todo com as intenções de aprendizagem, demanda flexibilidade nas intervenções, pois não é possível prever tudo o que as crianças podem falar, pensar e relacionar após serem estimuladas por perguntas, pelos contextos de pesquisa, pelo acesso às informações de variadas fontes e, sobretudo, pela socialização dos conhecimentos com o grupo.
Ao trabalhar com projetos, o professor torna-se também um pesquisador do pensamento das crianças, dos conhecimentos pertences à cultura e da sua própria prática. Depois de um intenso movimento de investigação com e sobre as crianças é impossível não aprender também sobre si mesmo. 


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